sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Versão alentejana d` Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente


Vem um pastor Alentejano com o seu cajado, e chega à barca infernal, e diz:

ALENTEJANO:
Ó da barca!
DIABO:
Quem vem lá?
ALENTEJANO:
Atão, sou eu, o Maneli!
Moço alentejano, pastor de ovelhas
e condutor de parelhas,
filho do Zé D`Alzira
e homi da Zulmira.
DIABO:
Pastor?!
Fazes cá falta no meu rebanho
de tão grande tamanho.
Entrai, entrai
que vos levo nesta viagem.  
 Sentai-vos e apreciai a paisagem.
ALENTEJANO:
Olha, olha o magano,
que me havia de calhar!
Vermelho, com cornos
 e um pau para me picar!
 Atão vossemecê tem um rebanho?
Com esta barca é um pouco estranho!
O Xico pescador,
o que tem o filho doutor,
tambein não batia bem da moleira,
dizia que guardava peixes,
quando saia na traineira.
DIABO:
Sou pastor de almas condenadas,
pelas chamas alimentadas.
Vinde, vinde para este recanto,
escutai seu brado, seu pranto.
ALENTEJANO:
Isso querias tu,
vai de recto, Belzebu!
Sou homi honrado
e pai de filhos respeitado.
Trabalhi de sol a sol,
à chuva, ao frio, ao vento.
Enfim, uma vida de tormento!
DIABO:
Aqui tendes calor,
e para tuas dores,
tenho cá muitos doutores.
 Entrai, entrai senhor
bom homem pastor.
ALENTEJANO:
Atão nã havia de seri!
Nã m`acredito no teu sorriso,
minha alma merece o paraíso!
Cala-te alma atormentada,
senão ainda levas uma bordoada!
Chega o pastor alentejano ao batel do anjo, e diz:
ALENTEJANO:
Ó da barca!
ANJO:
Que queres?
ALENTEJANO:
Entrar no teu barquinho,
tão arrumado e limpinho.
ANJO:
E quem és tu?
ALENTEJANO:
Sou o Maneli,
 pastor de profissão.
Homi dedicado e de bom coração.
ANJO:
Pareces importunado,
aborrecido, acabrunhado.
ALENTEJANO:
E não havera de estari!
Deixei a minha amada mulher
e cinco moços esgrouviados.
Que vai ser deles, que vão comer,
 tadinhos dos desgraçados!
ANJO:
 Teu tormento dá que fazer,
mas não te deves preocupar.
Tens uma grande mulher,
e solução há-de encontrar!
ALENTEJANO:
É bem verdade!
É moça trabalhadeira,
desde nova muito prendada.
Nos campos foi mondadeira,
e em casa, mulheri dedicada.
Mas nã q`ria ter morrido,
assim, desensofrido!
ANJO:
Mas de que morreste,
de que maleita sofreste?
ALENTEJANO:
De uma “chaparrose”,
quando pela v`reda seguia.
Já era nôte e mal se via.
ANJO:
 Chaparrose?! Não conheço!
É mal de bebida,
ou moléstia desconhecida?
ALENTEJANO:
Nada disso!
Ontur`dia,
à nôtinha, fui à fonte da ribeira
encher a cantareira
e matar a sede pelo cucharro.
Estava eu sentado,
quando me caiu em cima o velho chaparro!
À cama fui parar,
e ali fiquei adormecido, deslembrado.
Nunca mais arrebitei
e por Deus fui chamado!
ANJO:
Então vamos para o paraíso,
que eu quero ver seu sorriso.
ALENTEJANO:
Vamos lá atão a navegari,
que eu mais não posso esperari!
 Rodrigo Dias  5ºE

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